Carlos Tavares entrevistado pelo Público


No Público: Carlos Tavares é vice-presidente executivo do grupo japonês Nissan. O gestor português diz que a nova fábrica de Cacia poderá receber outros componentes para além dos módulos para baterias, se demonstrar que é eficiente. "Se os resultados atingirem as expectativas, há outras oportunidades possíveis", sublinha.

Portugal está bem colocado para ter uma fábrica de baterias produtiva?
Estamos confiantes. Uma das razões é que temos aqui ao lado a fábrica da Renault de Cacia, que fabrica com grande sucesso caixas de velocidade com um nível de qualidade muito elevado e um custo competitivo. Não há razão para que não se duplique esse sucesso na Nissan, a nível das baterias.

As baterias vão ser montadas aqui na fábrica, mas os componentes virão de vários mercados. Já é possível calcular a incorporação portuguesa?
Ainda é um pouco cedo, mas pensamos que o nível de incorporação europeia vai ser da ordem dos 50 por cento, quando a fábrica começar a produzir. À medida que a produção for aumentando, vai haver oportunidades para que pouco a pouco se possam utilizar mais os fornecedores locais.

Já há contactos a serem feitos?
Ainda é muito cedo. Queremos ser bastante prudentes, porque só se lança uma tecnologia nova, como a dos veículos eléctricos, fazendo as coisas com muita calma e todas as verificações com um nível de rigor muito elevado.

Mas já iniciaram algum processo de identificação de parceiros a nível local?
Acho que não vai tardar.

E o que vai ser feito na fábrica?
Vai ser a fabricação das células e dos módulos das baterias. Cada módulo tem quatro células e é necessário construir um pack com um determinado número de módulos. Para o pack da bateria do Nissan Leaf, por exemplo, são necessários 48 módulos. O que vai ser fabricado aqui são os módulos, que serão depois exportados para as fábricas de montagem dos automóveis. Como os packs de baterias são bastante grandes e pesados - pesam quase 300 quilos - faz mais sentido montá-los muito perto da montagem do automóvel.

Poderá haver produção de outros componentes dentro da fábrica?
Nunca se sabe. Nos veículos eléctricos há também motores eléctricos, inversores, cabos eléctricos, conectores... O que é importante, do ponto de vista nacional, é que se demonstre a capacidade desta equipa para produzir os componentes de baterias de maneira muito eficiente. Se esses resultados atingirem as expectativas, há outras oportunidades possíveis. Mas isso só se saberá mais tarde.

Que fábricas é que irão receber baterias de Portugal?
Vamos começar pela fábrica da Renault em Bursa, na Turquia, para o Renault Fluence, e depois se verá as seguintes. Ainda não está decidido, mas obviamente que vai haver outras.

O Nissan Leaf também vai ser fornecido por Portugal?
Vai ser fornecido para já pela fábrica de baterias de Sunderland (Reino Unido), mas depois tudo vai depender das capacidades e da procura de mercado.

Uma das principais questões levantadas quanto ao carro eléctrico é a autonomia limitada na condução. Estão à procura de novas soluções?
Pelo mundo fora, temos entre 60 e 70 modelos diferentes da marca Nissan, e obviamente que não temos intenção de os substituir a todos por um veículo eléctrico. Neste caso, esse será o carro ideal para um tipo de utilização que em inglês designamos por commuting (percurso casa-trabalho). Outro factor muito importante é que carregar uma bateria custa dois ou três euros. Isso vai criar o interesse de entidades comerciais, como restaurantes ou hotéis, em fornecerem um ponto de carregamento gratuito para atraírem clientes, uma vez que o custo dessa energia é muito baixo.

Outra preocupação é a vida útil das baterias. Calcula-se que ao fim de cinco anos as baterias estarão a 80 por cento da capacidade...
Os cinco anos são a garantia da bateria que é oferecida com o automóvel, mas a vida da bateria é muito maior. Agora, isso coloca-nos também numa situação de oportunidade relativamente ao segundo ciclo de vida. Abre perspectivas de negócio, como o reaproveitamento das baterias para serem utilizadas como backup de sistemas informáticos, ou para o armazenamento de energia em casas particulares. Pode carregar uma bateria de noite e utilizar essa energia em casa, ou carregá-la utilizando painéis solares... Temos aqui uma visão de autonomia energética muito interessante do ponto de vista familiar.

Neste momento, o Nissan Leaf custa cerca de 30 mil euros aos consumidores. Quando prevêem que seja possível reduzir esse custo?
Irá acontecer à medida que se atingirem níveis de produção entre 500 mil e um milhão de baterias por ano, mas não conseguimos saber exactamente quando. Mas temos de estar preparados para quando terminarem os incentivos públicos à aquisição de veículos eléctricos, uma vez que esses apoios não são eternos.

Qual será a duração para esses incentivos em Portugal?
Estão limitados aos primeiros cinco mil veículos adquiridos, mas essa situação vai provavelmente ser revista. Nos EUA, está prevista uma redução do preço de 7500 dólares para os primeiros 200 mil veículos Nissan Leaf.

Outro dos incentivos portugueses é que 20 por cento da frota do Estado terá de ser composta por veículos eléctricos. Isso pode ser uma ajuda para a Nissan?
Esta é uma decisão que demonstra a compreensão do Governo da necessidade de apoiar os carros eléctricos. Mas naturalmente que neste domínio iremos concorrer com outros construtores, no âmbito do concurso que for lançado. Gostamos muito de competição.